sexta-feira, 23 de março de 2012

Carta entregue

Garoto franzino, deitado na rua. Estava sozinho pois seus amigos (espero nunca o tê-los) o deixaram. Vagava com o olhar os primeiros transeuntes da Conde da Boa Vista. Luz (já) forte do Sol de Recife, início da manhã. Tentou raciocinar qual ônibus pegaria enquanto procurava nos bolsos alguma moeda para se hidratar - a noite tinha sido de muitas cachaças e promessas desfeitas. 

Enquanto se remexia em sua calçada, sentiu um vento gostoso, que simultaneamente trouxe um papel para perto dele. A princípio ficou feliz, pois confundiu com uma cédula capaz de comprar sua necessitada água, mas ao apertar os olhos pequenos, visualizou algo raro: uma carta.

De supetão, ajeitou-se sentando no meio-fio, e leu em voz baixa parte do que dizia:

...Vamos aproveitar a sorte de termos nos conhecido, mesmo nessas circunstâncias. Vamos pensar menos e fazer mais, afinal nos damos bem. Estou criando dramas, pois isso também faz parte do meu ser. Mas não está dando resultado, não está sendo benéfico para nenhuma parte. Então vamos aproveitar nossos momentos juntos, mesmo sabendo que são efêmeros, mas o que não é nessa vida? Vamos deixar a tristeza de lado, quero você numa outra dimensão. Vamos sonhar juntos quando tivermos oportunidade? Vamos nos unir por pensamentos livres e libertinos? Vamos nos guiar por um tipo de amor que eu nem sabia que existia! Fico tão feliz com você. Que tipo de pessoa afasta a felicidade? Vamos ser os personagens de uma fantasia, vamos transformar nossas histórias em um livro. Vamos, venha comigo. Pegue a minha mão, acaricie meu rosto e fique um pouco mais baixo para eu te abraçar forte. Quero senti-lo perto de mim. E em mim também. Vamos aproveitar as folgas, que serão os dias que poderemos nos ver. Não, não pare de me acariciar com as suas poderosas palavras. Você me acorda com elas. Depois de ouvir suas gravações ou ler suas escritas, já não consigo mais dormir, fico com vontade de reler ou de qualquer outra coisa, menos continuar a dormir. Fico com medo de perder tempo,  não quero perder tempo, só se for para estar com você...

Não quis mais continuar. O garoto, apesar de ainda bêbado da noite anterior, estava lúcido. Pensou demoradamente sobre o assunto, e concluiu como o amor (ou a ideia dele) pode ser cruel, enganoso e doloroso: dopa de felicidade inquestionável o indivíduo contaminado - com muitas ilusões e promessas, vide carta - mas incorre em sequelas verdadeiramente profundas, e (infelizmente) várias vezes pungentes.

Apesar de claramente sagaz, pegou um ônibus errado e cochilou nele, chegando a um bairro totalmente desconhecido da cidade. Entrou em pânico e temeu por não conhecer nada, ao vislumbrar sua volta. 

Percebi que o tal menino falou de amor com uma prioridade inexistente. Amor pode ser tudo. O teor negativo que ele deu a essa força colossal, era por ter medo do desconhecido. Ele era um pessimista ébrio.

Afinal, entendi: O amor é um negócio cheio de surpresas de toda natureza. É coisa de quem está vivo. É para os corajosos que aceitam entrar em um mundo desconhecido. Ou em um bairro qualquer. 


3 comentários

  1. Awn, achei adorável esse conto, sério! *-*
    e que carta linda!

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  2. Amor é mesmo "coisa de quem está vivo".

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  3. Conheço um menino desses, mora em Candeias, chama-se Vicente. Vive bebâdo constantemente ... e às vezes dança muito, às vezes triste demais.O cantor do Bar das Rosas canta uma música especialmente para ele.Aí ele canta e depois desaparece com sua latinha de pitu pelas ruas escuras do bairro.Vicente: o significado dos nomes diz que eles não andam com os pés no chão.Eu queria que Vicente aterrissase, ele só tem 20 anos.

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Maira Gall