terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Alter ego ataca

Era um dia quente em Recife e eu voltava para casa de ônibus. Certa hora, o motorista, ao perceber o sinal vermelho, parou devagarinho, quase na faixa de pedestre. Minhas músicas acariciavam minha mente quando olhei pela janela suja e vi um homem aparentemente velho em seu apartamento pequeno. Estávamos a vários metros distantes e por isso ele era pequeno para mim. Através de uma grande abertura, que parecia ser o local de lavar roupas, o senhor mantinha um movimento rápido de vai e vem com seus braços nus. Eu só podia ver da altura de seu peitoral até o teto do cubículo. Ele estava sem blusa e sua boca se mexia rapidamente, era provável estar mantendo uma conversa aos gritos com alguém. Refleti por segundos a vida que estava diante de meus olhos: uma rotina simples, um possível tanque e alguém para esfregar alguma roupa. Normal, normal.

Mas meu alter ego não deixou passar despercebida uma cena desavergonhada. O velho homem poderia estar gritando por seu amor falecido, ou por sua amante, ou suplicando por outro homem, quem sabe, ou, pra manter a tradição, claro, podia estar corroendo-se de amor pela sua digníssima esposa, mãe de seus quatro filhos. Ali, ele poderia estar acariciando algo que talvez nem usasse mais, ou só de vez em quando. Ele entrava em sintonia consigo mesmo. Tocava profundamente em si. E achava que estava sozinho, mas lá estava eu, de olho.

Parei de observá-lo e enrubesci com os pensamentos. Logo mais pensei: O que você faria se ninguém pudesse por os olhos em você?

7 comentários

  1. HAHAH ótimo, Aline. Saudades de você escrevendo por aqui :~

    :*

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  2. Sou muito assim, de observar pequenas coisas em pequenos e curtos momentos, e imaginar a história toda. Às vezes, sinto falta de pegar ônibus só para ouvir pedacinhos de conversas e imaginar todo o resto, hehe!
    Amei sua forma de escrever.

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  3. Haha, achei que era somente uma ideia que se passou pela tua mente out de 2012, rere. Bem, ao menos foi engraçado, eu acho. Coisas assim não se vêem todos os dias :)

    Escreva, Carla, escreva. O que vem na mente, o que quer que seja. By the way, adorei a nova aparência. Tá convidativa.
    :*

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  4. Isso de fato aconteceu? Se sim, adorei o teu jeito de otimizar a história, se não... A imaginação foi bem fértil, mesmo sendo uma coisa tão comum( e '' tabulada'') nesse mundo fétido que vivemos, ahah. E com o trecho '' Logo mais pensei: O que você faria se ninguém pudesse por os olhos em você?'' lembrei de uma música de capital inicial que fala acerca disso, hihi. Parabéns <3

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  5. mais uma Mascarenhas com talento para a escrita...que povo mais sabido esse!!
    Adorei! Adorei a forma, a narrativa, as fotos...tudo. Parabéns! Parece que em 2012 um terrível virus transformador de pensamentos e palavras contaminou seriamente nossa família...que continue assim, muitíssimo bom!

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  6. Poxa! E eu a pensar que era a única que faz essas coisas! Eu sempre paro pra observar os mais mínimos detalhes no quotidiano das pessoas à minha volta... é inevitável, quase. Acho que eu me podia sentar num café pacato e escrever um livro só com base na observação de pessoas...

    E, sim, já parei pra pensar se há alguém por ai que também já parou pra me observar... É um pensamento interessante..

    fica bem :)

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Maira Gall