quinta-feira, 7 de junho de 2012

Desejo e caos


Houve um dia em que tudo o que eu conhecia simplesmente desmoronou. Após as conversas esclarecedoras de ambas as partes, senti a dor devorar o que tinha dentro de mim, e a vontade súbita que tive foi de cometer alguma besteira suicida. Estava pela primeira vez em tantos anos de maturidade tendo desejos de morte, algo que eu sempre considerei o cúmulo do egoísmo.

Aconteceu rápido, e as revelações duraram 24 horas. Foi algo clichê, digno da famigerada e odiada novela interminável Malhação: o melhor amigo e minha mulher transando enquanto eu viajava. Meus amigos machistas irão rir de mim, já posso escutá-los nitidamente. 

Quando voltei da Inglaterra, ainda maravilhado com o frio e todas aquelas pessoas bonitas, com muitas roupas devido ao clima e tantos lugares extraordinários para se ver, fui recebido pela garota dos meus sonhos. Ela estava lá, linda como sempre, de cabelo preso em um coque - devido ao calor da minha cidade -, com as franjas desfiadas cobrindo um pouco os olhos cor de mel. Estava distraída, e sua boca vacilava um pouco. Decerto estava estranha. Apesar disso, minha alegria em compartilhar as histórias da jornada britânica nos envolveu em diálogos, e logo ela estava sendo ela mesma de novo. 

Rimos e caminhamos juntos à saída do aeroporto. Ela tomou a atitude de dirigir, apesar de não gostar muito, visto que eu estava cansado das treze horas de voo e pela hora da madrugada - eram 2 horas da manhã. Não me olhou nos olhos sequer uma vez.

Quando chegamos à nossa casa, havia uma refeição dedicada a mim. Ela não gostava de cozinhar, então a comida era realmente uma forma de demonstração de amor. Puxei-a com um rápido movimento e a acolhi em meus braços. Demos um beijo longo e amoroso, aquele que só ela poderia me dar, considerando a lista imensa dos outros relacionamentos que já tive. 

Não foi além disso, para minha frustração. Eu já estava começando a ficar excitado simplesmente por estar novamente com ela, talvez pelas duas semanas que estive fora, mas ela começou a se afastar de mim. Disse que precisava contar algo que tinha feito na noite anterior. Eu não imaginei que fosse tão grave pois não esperava isso dela. Marília tinha uma característica forte em ser comedida, e passiva. Não costumava tomar atitudes e não tinha precedência parecida com o fato revelado: havia transado com meu melhor amigo na noite passada.

Permaneci estupefato por longos minutos. Apesar de eu ser bastante falante normalmente, ali me encontrei em uma situação nunca antes vivida. Não consegui falar uma palavra. A cultura infernal do corno nunca havia me atingido, isso não era o maior problema, pensei. Tive que escutar Marília afirmar que não tinha sido nada, que não estava apaixonada, e que ainda me amava, etc. Mencionou o estado alcoólico em que estavam, e que isso tinha dado coragem a ambos. Mas o maior problema foi a surpresa: eu não esperava algo assim nem em mil anos, sobretudo deles, especificamente.

Conhecia ambos, trocava confidências. Eu estava há quase sete anos com Marília e a amizade com Pedro tinha lá seus três anos, se não me falha a memória conturbada com os acontecimentos recentes.

Sempre fui um solucionador de problemas mas, ali, estava encurralado com meu silêncio. As lágrimas rolaram sobre meu rosto, e eu chorei baixinho, enquanto Marília dizia coisas confusas e inacreditáveis. Acabei resgatando meu lado ruim: insegurança. Quando finalmente consegui falar, pedi os detalhes da transa. Ordenei, em resposta ao que tinha acontecido. Eu merecia pelo menos alguns esclarecimentos, e na hora, julguei interessante me martirizar um pouco mais, sabendo que Pedro havia tocado nos longos cabelos - e certamente em outros lugares - da mulher que eu planejava casar e até ter filhos (quebrei paradigmas com ela, já que era tão sensacional. Até os 25 anos tinha plena certeza de que seria um Don Juan eterno. Ela entrou na minha vida para mudar tudo isso). Fui baixo e quis saber detalhes da penetração, se tinham feito sexo oral e anal. Marília soluçava e por vezes relutava, mas eu pedia cada vez mais detalhes de toda essa merda. Eles destruíram minha confiança, eu não sabia o que fazer sem ela, eu não conseguia enxergar um amanhã sem a sua presença. Infelizmente eu era assim, perdidamente apaixonado. E depois de saber daquilo, não consegui permanecer numa linha de pensamento claro e racional.

De supetão, deixei ela falando sozinha e saí da sala, com a visão um pouco distorcida pela quantidade de lágrimas que insistiam em continuar existindo. Peguei as chaves do carro e corri em direção à garagem. Saí cantando pneu e incomodando a vizinha chata, que odiava quando eu fazia isso. Hoje eu tinha uma razão mais do que justificável, senhora.

Em poucos minutos, devido à velocidade altíssima que arrisquei, cheguei à casa de Pedro, e quando ele abriu a porta entendeu tudo. Começou a pedir desculpas enquanto eu invadia sua casa. Pedi também detalhes de tudo o que tinha acontecido, e ele repetia diversas vezes que estava arrependido, e que faria qualquer coisa para ter a nossa amizade de volta. Eu não podia acreditar que ele faria algo assim comigo. Marília era bem ciumenta, e eu sempre tive amizades confusas. Talvez ela tivesse algum motivo... Mas o Pedro? Ele sempre fora tão puritano que me dava raiva. Não arriscava demais e era comedido, racional. Transou com a minha mulher enquanto eu trabalhava viajando. Dois filhos da puta que eu amava.

Quando ele detalhou que, após terem transado, tinham ficado longos minutos abraçados na cama, pulei em cima dele e bati até perceber a idiotice que estava cometendo. Ele não revidou, e do seu nariz brotou muito sangue, acho que finalmente utilizei bem aquelas aulas de boxe que fiz mas larguei em pouco tempo, por preguiça.

Fui até a casa do Pedro para escutar da boca dele a merda toda. E, além de confirmar, deu os detalhes que Marília supos achar melhor omitir, para assim me proteger. 

Saí novamente de forma súbita, e entrei no carro. Comecei a dirigir para bem longe enquanto ouvia, já baixinho por causa da distância, as desculpas de Pedro. Enfia essas desculpa no cu, pensei.

Apesar de eu compreender os dois, pessoas brilhantes e, por isso, mais do que normal ter acontecido um sexozinho descompromissado, não conseguia conceber isso vindo logo deles. Enquanto passava alguns sinais vermelhos, já que estava de madrugada, estava absorto, com os pensamentos desenvolvendo-se como um filho dentro do ventre da mãe. Minha ideia era mórbida, mas parecia uma solução bastante razoável para o momento. Eu tinha desacreditado em tudo há poucos minutos, e minha esperança no mundo havia sido assassinada com aquelas duas pessoas fazendo algo totalmente surpreendente e negativo para mim. Eu não merecia mais viver.

Sei que soa bastante desagradável, e sobretudo doentio. Além do mais, eu também tinha minha família, apesar de não vê-los há alguns anos. Pensei em como os caras do trabalho iriam se referir a mim: "Aquele puto foi um covarde, acabou com a vida por causa da mulher e do amigo", ou alguns, aqueles merdas preconceituosos, iriam logo me chamar de "viado", com algo na linha de "Aquilo dali era viado. Se matou pelo motivo de a mulher que ele comia, e o cara que comia o cu dele, terem se divertido com sua ausência".

Enchi-me de especulações acerca do que aconteceria se eu não estivesse mais aqui. O telefone tocou, e era o Pedro, e trinta segundos depois o outro, o do trabalho, chiou irritantemente: era Marília, só ela sabia desse número, salvo o pessoal da empresa e meus clientes.

Distraí-me ao olhar ambos tentando estabelecer um contato comigo e, instantaneamente, joguei os celulares pela janela. Foi algo estúpido de se fazer, pois a porra de um deles era um Iphone. Quando se está nervoso, coisas ruins podem acontecer. 

Continuei minha viagem e acho que cochilei uns instantes, pois o carro me assustou umas três vezes e eu quase consegui realizar minha ideia fúnebre. Estava dirigindo sem rumo, quando decidi voltar tudo de novo e me despedir de Marília. A outra solução que achei foi um pouco mais coerente: me afastar dela. Terminar tudo o que tínhamos construído. Devolver a porra do anel que eu estava me preparando para dar. Em nenhum momento eu parei de chorar, isso faz de mim uma garota? Não, seu machista de merda. Eu sou muito homem para não fazer nada com eles, com exceção de umas porradas que o Pedro mereceu, e sair da vida dos dois. Acho que estou atrapalhando. Porra, que insegurança.

Estava quase chegando à nossa casa, e nesse instante a madrugada, de uma hora para outra, ficou com uma neblina estranha. Fiquei com frio, a despeito de isso ser raro aqui nessa cidade infernal e quente. Eu estava triste e muito cansado, afinal já tinha passado das cinco horas. Ainda estava muito escuro.

Encontrei-a sentada na varanda, com o celular no colo, as mãos no rosto. Chorava freneticamente, balançando o corpo de forma ritmada. Sempre odiei vê-la chorar, dava mais vontade ainda de continuar com meu dilúvio. Que merda, Ma. Como pôde fazer isso comigo? E nosso filho, que teria o seu nariz, a minha boca, e nossa inteligência? A gente iria ensinar o pirralha a escutar os clássicos do rock mundial, a gente já iria incentivar o aprendizado de línguas, de instrumentos, de teatro. Você lembra disso, Ma?

Eu listava todas as nossas perspectivas aniquiladas, e ela escutava chorosa, mas em silêncio. Não rebateu vez nenhuma minhas palavras. Levantou-se e passou direto por mim, sem dar atenção. Eu fiquei puto. Ela fode com meu amigo e não consegue escutar o meu desabafo? Corri atrás dela, gritei bobagens e continuei a indagar se o pau do Pedro tinha mais sabor do que o meu. 

Ela continuou calada, e só conseguia chorar. Eu acabei me descontrolando e ordenei, xingando-a, que ela olhasse em meus olhos, pelo menos uma vez depois disso, mas ela ignorou. Percebi que tinha sido muito cavalo, e pedi desculpas pelas palavras usadas. Era estranho, na verdade parecia que ela não estava me ouvindo direito. Talvez fosse o transtorno de estresse pós-traumático que se abatera ali, sobre Marília. Aproximei-me dela e sussurrei que a deixaria, mas que nunca sentiria um amor igual na minha vida. Ela retribuiu as palavras, fazendo uma imitação do que eu dissera.

- Meu amor por você é irrevogável, Vitor. Tenho certeza de que nunca sentirei algo assim por ninguém.

Nesse momento, Marília deu um sobressalto pois o celular tocou estridentemente. Agora já era de manhã, e os pássaros da frente cantarolavam alegremente, apesar de estar um clima terrível em casa. Bando de pássaros sem coração.

Marília se jogou no chão de um jeito estúpido após ouvir alguma coisa no telefone. Claramente machucara o joelho esquerdo, e talvez por isso urrava de dor. Nunca tinha visto uma pessoa tão triste na minha vida. Sempre achei Ma um pouco dramática demais, e aquele joelho não deveria ter quebrado ou coisa parecida para estar daquele jeito. Ela começou a falar coisas sem sentido e eu fiquei confuso. Dizia, aos prantos, quase de forma ininteligível:

- Não pode ser! Não é verdade! Ele não pode fazer isso comigo! Ele não pode se vingar desse jeito! Eu nunca vou perdoá-lo...

Eu comecei a compreender. Mas isso não podia estar acontecendo. Eu parecia não estar mais conectado àquele lugar... Senti-me estranho, com náuseas nunca experimentadas antes. Não podia ser. Tentei lembrar do que tinha feito, mas comecei a me distanciar dali, em mente. Algo muito forte direcionou meus pensamentos para o momento em que devo ter cochilado no volante. Eu comecei a sentir uma leveza insustentável e, de uma forma singular, senti que estava desaparecendo...

06:19
Alô? Senhora Mariana? Bom dia, infelizmente tenho uma notícia ruim. Você está com alguém aí? Você tem familiares? (...) Seu companheiro sofreu um acidente terrível. Não houve nem tempo de ser hospitalizado, o impacto foi muito grande. É provável que tenha cochilado na direção e seu carro se chocou com outro, que ultrapassou o semáforo vermelho. Não encontramos sinal do outro motorista, que aparentemente fugiu sem prestar socorro, mas estamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance para puni-lo. Sinto muito pela sua perda.

9 comentários

  1. Senti um alívio, pensando que ele não se mataria, mas foi um sentimento que durou pouco rs. Ótimo conto!

    Respondi seu meme :3
    http://silenceisscarysound.blogspot.com.br/2012/06/meme-das-frases.html

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  2. Nossa, esse texto me prendeu, sério. Eu vi o tamanho e, confesso, pensei: "vou ler mais tarde" (acabei de acordar e a preguiça ainda estava aqui, haha). Mas aí comecei lendo o primeiro parágrafo, o segundo e quando me dei conta, já estava no final.

    Ótimo texto. E, apesar de triste, achei o final surpreendente...

    Beijo

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  3. Nossa!
    que texto é esse Alien?
    eu lembrei de dois filmes que falam sobre traição, Closer e Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos. são tão viscerais quanto o seu conto. e o final, foi surpreendente, acho que eu nunca espero a morte no final dos textos, mas foi, foda! dolorido para caramba.

    ;*

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  4. Que texto incrível, muito diferente do que vejo na blogosfera, cheio de atitude e sentimentos. E veja só, eu me apaixonei pelo seu blog. Me identifiquei com seus posts e vejo o quanto é cheia de personalidade e criatividade! *_*
    Já estou te seguindo e me perdendo pelos seus textos!
    Beijos flor e continue assim =)

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  5. Texto bom é quando desperta sentimentos.Parabéns.

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  6. Esse seu conto está muito bom! Fazia tempos que não achava um texto tão brilhante assim! Tudo na medida certa. Parabéns! ;)

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  7. Meu Deus, que texto INCRÍVEL! Tô chocada, ainda.

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  8. Gostei desse conto, um pouco melancólico, mas eu gostei assim mesmo. Pensei que ele não tinha suicidado, mas foi quase a mesma coisa.
    Quando li que ele estava com frio, pensei que ele estava morrendo por... sei lá, estar muito nervoso ou algo assim. Gostei muito Aline, você escreve muito bem :)

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Maira Gall