terça-feira, 29 de janeiro de 2013

la petite mort

Julia penteia os cabelos, faz um coque em formato de bolinha no topo. Pinta os olhos como os de gato, risca de vermelho os lábios. Põe vestido curto de estampa dificilmente reconhecível e corre para não se atrasar. É resistente. Vai gastar o tempo e dinheiro em cidade universitária, à noite, com estranhos, afeminados, afetados. Ingere gelatina verde, sente sabor adocicado seguido de ânsia de vômito. Promete não repetir a dose, todavia logo enche a boca de gummi beares repletos de álcool.

Amigos ao redor balbuciam, contudo nem estão ali, estão procurando outros amigos, mexendo nas redes sociais pelo 3G. Aqueles já não têm nada a acrescentar. Fuma cigarro azul, fino, sente o terror de um possível futuro câncer e jura não tragar mais, só em ocasiões especialíssimas. Lembra-se de Augustus, sente saudades da ficção. Não escuta nada nem ninguém em volta, só as batidas dúbias daquela música ruim, feita apenas para vender peitos e bundas e artistas sem coração. Ela até tem coração, muitíssimo obrigada, mas a cada dia que passa fica mais frio, bate menos, permanece mais distante dos que ama. 

É o câncer de pulmão que não irá se aproveitar do corpinho magro, graças a Deus. Pena que outro já se instaurou, a partir de memórias nojentas e hipócritas. Bebe sete latas para contabilizar o gasto da festa. Bebe rapidamente mais cinco, pois agora ela acertou na matemática. Ebriedade a faz pensar em como são estúpidos, como estão estagnados, enganados. Nada é real, só aquela semente que a fez mais vulnerável ainda. Coração continua frio, porém sensível. Quer chorar, mas está numa festa. Morre de amores e ódio por aqueles que a sufocaram de tanto rir e afogaram de tanto chorar. Quase a mataram de vez (lembra-se  em meio a risos frenéticos e medonhos)! Lágrimas rolam só para mostrar o quão fraca ainda é, o quanto ainda lembra. Finalmente o efeito da semente a faz sentir prazer em estar viva, cabe ali quase um orgasmo existencial, a despeito do horror, do desapontamento. Se o peito ainda pulsa, pensa olhando o céu, a esperança de júbilo não morreu.

13 comentários

  1. Profundo... sem mais!

    Estou louco pra ver como ficou sua caixinha! :D

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  2. "Coração continua frio, porém sensível."
    Gostei do texto!

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  3. Texto lindo! Amo estas escritas curtas, impessoais, porque falam a muitos!
    "Amigos ao redor balbuciam, contudo nem estão ali, estão procurando outros amigos..." - Descreve bem os dias de hoje, juntos, porém separados!
    Amei o post!
    Abraços!

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  4. Também achei bem profundo e prende bastante a atenção. Muito bom!

    Realmente triste o que aconteceu, impossível mesmo não lembrar com um post falando sobre o RS.
    Uma tragédia que comoveu muita gente e espero que muita energia boa e força confortem os corações de todo mundo que perdeu alguém lá e que devolva a alegria pra cidade novamente.

    Bom fds.
    :*

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  5. Um texto bem directo, que retrata a nossa atualidade. Tão perto e tão longe. :/

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  6. Linda, te indiquei pra um meme, olha lá! *_* beijo

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  7. Gostei. Achei que a primeira foto ilustrou muito bem... consegui formar a personagem certinho na cabeça.

    Mas, se for pensar bem, talvez nem precise assim de tanto estímulo para essa personagem ser visualizada. Basta passear um pouco por aí... infelizmente.

    ;**

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  8. engraçado...acho que já vi esses doces antes...não são jujubas feitas de bebida alcoólica?

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  9. Aline, eu não tinha dito nada sobre o cheiro do ralo porque ainda não tinha visto. Aluguei agora, para o carnaval, e apesar de o meu pai ter achado um "filme de paulista", eu gostei. Até me identifiquei com o personagem em alguns momentos (como o meu amigo André disse que aconteceria). Mas não o tempo todo.
    Enfim.
    Sobre o post, a maioria das pessoas não tem nada a acrescentar. Digo, desse tipo de pessoas. Desde as pessoas na festa, até os artistas sem coração. Sobre o câncer de pulmão, bem, eu admito que morro de medo de me tornar um fumante e acabar nessa. Não no câncer, necessariamente, mas em alguma das outras consequências talvez. O problema é que eu gosto muito, muito, muito, de cigarro. E em relação ao texto, não posso deixar de dizer, como os outros leitores, que você escreve muito bem. Eu sou considerado um cara frio (por mais que essa fama não seja lá muito verdadeira) e considero bons os textos que me fazem sentir o personagem. Eis aí um caso.

    obs: eu devo ser o que chamam de leitor insuportável. veja só o tamanho inconveniente do meu comentário. haha

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    1. Eu AMO comentários enormes. Para mim, você é o tipo de leitor apaixonante, isso sim. <3

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  10. Adorei este texto e, e então, resolvi te fazer um convite :)
    Me passa seu e-mail pra gente conversar mais?

    Abraço!
    André Luiz - www.quermedar.com

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Maira Gall