Peregrinou até achar a casa de um antigo amigo. Estava cansada das horas de viagem. Lembrou de sentar ao lado de um senhor alto e grande. Sofreu com antecipação por saber que teria que acordá-lo todas as vezes que quisesse ir ao banheiro. Malditos banheiros de avião. Dava medo aquela descarga. Na verdade, era uma descarga filosófica. Imagina se todos os problemas pudesses ser eliminados a vácuo, em instantes?
O amigo também estava cansado, mas era da rotina. Atualmente trabalhava mais de oito horas na cozinha do restaurante. Tinha chegado suado e oleoso. Evitou um abraço na amiga estrangeira para não assustá-la.
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Tomaram banho juntos. Foi natural, como era há uns cinco anos. Riram juntos, fizeram penteados com o sabão do shampoo, ficaram envergonhados quando lavaram as partes íntimas. Ele deu uma rápida conferida nos seios e nas pernas dela, enquanto ela olhava o pênis e as nádegas. Fazia muito tempo que não se tratavam assim. Mas continuavam confortáveis. Estranhos não tomam banho juntos. Foram para o quarto e a excitação deu lugar a um sexo sôfrego, agoniado. Ela não esqueceu de pedir para usar a camisinha, mas ele não tinha. Ela tinha centenas na mala. Pegou todas no Carnaval, quando ainda estava no Brasil. Relembraram o prazer de estar juntos, a simplicidade daquela relação. Sem cobranças, sem brigas. Juntos mais uma vez, mesmo que apenas temporariamente.
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Amanheceram com a casa cheia. A família dele tinha vindo para as férias de Janeiro. As crianças desarrumavam a casa toda e brincavam com quaisquer objetos. Bolos eram dominós. Colchões eram tubarões. Criança sabe mesmo se divertir. Eram um bando de ébrios mirins, sem uma gota de álcool. Pequenas hienas que não paravam de rir. Ou de gritar pelos corredores. Adulto tenta imitar criança às vezes.
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No final do dia, ele mostrou as leituras que faria no ano. Ela criticou algumas obras, enquanto sentiu inveja de uns livros raros que ele possuía. Fizeram um jantar e adormeceram contando histórias. Ela se sentiu amada, a despeito das desventuras dos últimos dias. Pensou que poderiam tentar ficar juntos, alugar um quartinho. Mas nem emprego ela tinha mais...
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Naquela noite, sonhou com seu amigo/amor ficando com outras garotas, em um grande parque de piscinas. Ele foi ríspido com ela, enquanto brigavam sobre ele falar da pele de pêssego de uma das amigas. E por causa de todas as fotos que tirou das colegas de classe de bikini. Ele estava orgulhoso de fazer parte de algum grupo, ela estava irada por não ser mais a única. Egoísmos deram espaço ao pesadelo que acabou com os dois se afastando, no ponto de ônibus. Ele foi embora, deixando aos pratos uma menina e o carro velho quebrado. O sonho continuou, com a menina entristecida e cabisbaixa. Ela sentou na rua e escondeu o rosto nas mãos. Ficou por longos minutos na mesma posição, até as costas doerem. Sentiu a coluna, mas preferiu se martirizar. Só despertou quando escutou uma música animada, gerada por um violão ali perto. Levantou o rosto amassado e vermelho, e viu o chileno, que mais parecia um mendigo. O chileno se aproximou e sentou ao seu lado, ofereceu um cigarro. Ela tragou, mesmo odiando aquele barato, e iniciou uma conversa. Passaram horas discutindo sobre as passeatas do Brasil, a repreensão policial, a dificuldade de poder fumar maconha hoje em dia. Discorreram sobre as futilidades do homem, e o vício com a internet. Falaram de música: ele citou artistas do Chile, ela enrubesceu por não conhecer nenhum deles. Trocaram dicas de bandas e de lugares para conhecer. Ele falou em amores poligâmicos, e elogiou os lábios da menina chorona. Ela se surpreendeu com a mudança repentina de interesses. Deteve-se à boca do chileno, às rugas de expressão que faziam no seu sorriso. Olhou os longos dreads e se sentiu atraída pela excentricidade do rapaz. Ele disse ter 25 anos, ela estava com 23. O estrangeiro tinha olhos verdes escuros.
Se beijaram.
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Ela acordou no meio do beijo. Virou para o lado e viu o amigo roncando baixinho. Como sempre, achou que seus sonhos eram realidade, então teve dificuldade de discernir sobre o que tinha acontecido de fato. Sentiu necessidade de olhar o celular do amigo, que estava carregando. Mas pensou melhor e sabia que estaria invadindo a privacidade. Não bastava ele dar uma hospedagem para ela? Abraçou o menino, que murmurou um bom dia cansado. Por mais que quisesse, não conseguiu dormir e voltar para o sonho.