Ela se ajeita e, enxugando as lágrimas, começa a se desvencilhar dos braços dele para então vociferar:
Minto.
Todo dia.
Sabe aquela pergunta cretina que você faz? A que todos fazem? "Você está bem?" Sim, claro. É óbvio que estou incrivelmente bem.
O uso da palavra incrível foi claramente proposital pelo fato de eu respirar ironia. Entenda: Depois de você me cativar e me deixar, imediatamente em seguida - é bom salientar - significa que estou bem, só que ao contrário.
Não estou nada bem.
Não consigo ver meu erro, além é claro de quando me permiti. Deixei você entrar e bagunçar tudo. Agora está saciado e não sente mais amor. Nem paixão.
Nem absolutamente nada.
U m a p e d r a.
Prometo não tropeçar outra vez.
Ele a retoma pelos braços e pede um último beijo.
Concluo, de soslaio: É da natureza humana ser cruel.
Li. E me lembrei deste poema:
ResponderExcluirLIRA DO AMOR ROMÂNTICO (Ou a eterna repetição)
Atirei um limão n'água
e fiquei vendo na margem.
Os peixinhos responderam:
Quem tem amor tem coragem.
Atirei um limão n'água
e caiu enviesado.
Ouvi um peixe dizer:
Melhor é o beijo roubado.
Atirei um limão n'água,
como faço todo ano.
Senti que os peixes diziam:
Todo amor vive de engano.
Atirei um limão n'água,
como um vidro de perfume.
Em coro os peixes disseram:
Joga fora teu ciúme.
Atirei um limão n'água
mas perdi a direção.
Os peixes, rindo, notaram:
Quanto dói uma paixão!
Atirei um limão n'água,
ele afundou um barquinho.
Não se espantaram os peixes:
faltava-me o teu carinho.
Atirei um limão n'água,
o rio logo amargou.
Os peixinhos repetiram:
É dor de quem muito amou.
Atirei um limão n'água,
o rio ficou vermelho
e cada peixinho viu
meu coração num espelho.
Atirei um limão n'água
mas depois me arrependi.
Cada peixinho assustado
me lembra o que já sofri.
Atirei um limão n'água,
antes não tivesse feito.
Os peixinhos me acusaram
de amar com falta de jeito.
Atirei um limão n'água,
fez-se logo um burburinho.
Nenhum peixe me avisou
da pedra no meu caminho.
Atirei um limão n'água,
de tão baixo ele boiou.
Comenta o peixe mais velho:
Infeliz quem não amou.
Atirei um limão n'água,
antes atirasse a vida.
Iria viver com os peixes
a minh’alma dolorida.
Atirei um limão n'água,
pedindo à água que o arraste.
Até os peixes choraram
porque tu me abandonaste.
Atirei um limão n'água.
Foi tamanho o rebuliço
que os peixinhos protestaram:
Se é amor, deixa disso.
Atirei um limão n'água,
não fez o menor ruído.
Se os peixes nada disseram,
tu me terás esquecido?
Atirei um limão n'água,
caiu certeiro: zás-trás.
Bem me avisou um peixinho:
Fui passado pra trás.
Atirei um limão n'água,
de clara ficou escura.
Até os peixes já sabem:
você não ama: tortura.
Atirei um limão n'água
e caí n'água também,
pois os peixes me avisaram,
que lá estava meu bem.
Atirei um limão n'água,
foi levado na corrente.
Senti que os peixes diziam:
Hás de amar eternamente.
(Carlos Drummond de Andrade, in AMAR SE APRENDE AMANDO).
***
Beijo,
Mai!
Ai, que dor! Cruel é você que escreve essas coisas, rapaz. Doeu em mim. :x
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